Introdução
A bicicleta é uma opção de transporte urbano mais sustentável que os modos motorizados, em virtude de seus benefícios sociais, ambientais, econômicos e de saúde física e mental (Anderson, Schnohr, Schroll & Hein, 2000; Bassett, Pucher, Buehler, Thompson & Crouter, 2008; Dora & Philips, 2000; Godefrooij, Pardo & Sagaris, 2009; Gordon-Larsen et al., 2009; Hamer & Chida, 2008; Hrncir, Song, Zilecky & Jakob, 2014; Li, Wang, Liu & Ragland, 2012; Oja et al., 2011; Winters & Teschke, 2010).
No intuito de transformar o ambiente urbano em um lugar seguro e confortável para pedalar, e tornar o transporte cicloviário um componente integrado da almejada intermodalidade no transporte, são necessários dados sobre as características dos ciclistas e seus comportamentos de viagem (Casello, Rewa & Nour, 2012).
Uma das informações-chave para a definição de redes cicloviárias funcionais, que atendam aos desejos de deslocamento dos usuários, reside na identificação das rotas utilizadas pelos ciclistas, e as razões para escolha das mesmas (Segadilha & Sanches, 2014a).
As pesquisas Origem-Destino (o/d), se realizadas periodicamente, permitem acompanhar a evolução dos padrões de deslocamento da população e da mobilidade em geral (Baptista et al., 2009). Apesar de serem úteis para a aferição do comportamento de viagem e da demanda de transportes (Raia, 2000, p. 117), as pesquisas o/d não fornecem informações sobre a escolha das rotas percorridas e, devido aos custos e ao planejamento necessário para sua execução, não são empregadas regularmente na maioria das cidades brasileiras (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento [itdp], 2017).
No planejamento cicloviário, o conhecimento dos determinantes na escolha de rota pelos ciclistas pode facilitar a concepção de instalações cicloviárias (Stinson & Bhat, 2003), de modo a priorizar as vias mais atraentes para os ciclistas e os percursos mais frequentados (Segadilha & Sanches, 2014a), além de determinar os condicionantes que podem contribuir para o aumento do uso da bicicleta (Yang & Mesbah, 2013).
Principais fatores que influenciam na escolha das rotas
Agrupados por categorias, os estudos consultados durante revisão bibliográfica sobre os fatores que influenciam na escolha do trajeto ciclístico integram a Tabela 1. A maioria dos estudos examinados não engloba a realidade sul americana, tendo sido realizados, predominantemente, em países europeus e norte-americanos. Segadilha (2014) e Pitilin (2016), por outro lado, realizaram estudos no Brasil, elencando diversos fatores considerados importantes para a escolha da rota, identificados por meio de extensa revisão bibliográfica, e servindo de base para esta pesquisa.
TABELA 1 Fatores que influenciam na escolha das rotas pelos ciclistas
FATORES | REFERÊNCIAS |
---|---|
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS | |
Existência de infraestruturas cicloviárias | Aultman-Hall, Hall, e Baetz (1997); Abraham, McMillan, Rownlee, e Hunt (2002); Moudon et al. (2005); Stinson e Bhat (2003, 2004); Krizek (2006); Hunt e Abraham (2007); Krizek, El-Geneidy e Thompson (2007); Raford, Chiaradia e Gil (2007) Tilahun, Levinson e Krizek (2007); Bernhoft e Carstensen (2008); Sener, Eluru e Bhat (2009); Dill (2009); Menghini, Carrasco, Schüssler & Axhausen (2010); Winters, Teschke, Grant, Setton & Brauer (2010); Winters e Teschke (2010); Broach, Gliebe e Dill (2009, 2011); Hood, Sall e Charlton (2011); Larsen e El-Geneidy (2011); Broach, Dill e Gliebe (2012); Caulfield, Brick e McCarthy (2012); Li et al. (2012); Kang e Fricker (2013); Snizek, Nielsen e Skov-Petersen (2013); Krenn, Oja e Titze (2014); Pitilin e Sanches (2016). |
Conservação do pavimento | Antonakos (1994); Aultman-Hall, et al. (1997); Stinson e Bhat (2003, 2004); Bernhoft e Carstensen (2008); Casello, Nour e Rewa (2011); Winters e Teschke(2010); Kang e Fricker (2013); Segadilha e Sanches (2014b, 2014c, 2014d); Pitilin e Sanches (2016). |
Topografia/Declividade | Fajans e Curry (2001); Stinson e Bhat (2003, 2004); Sener et al. (2009); Menghini et al. (2010); Winters et al. (2010); Broach et al. (2009, 2011); Hood et al. (2011); Broach et al. (2012); Li et al. (2012); Milakis, Athanasopoulos, Vafeiadis, Vasileiadis & Vlastos (2012); Koh e Wong (2013); Krenn et al. (2014); Segadilha e Sanches (2014a, 2014b). |
Estacionamentos para automóveis | Stinson e Bhat (2003, 2004); Krizek (2006); Tilahun et al. (2007); Bernhoft e Carstensen (2008); Sener et al. (2009); Winters e Teschke (2010). |
Barreiras/Obstáculos | Aultman-Hall et al. (1997); Stinson e Bhat (2003); Casello et al. (2012); Emond e Handy (2012). |
Largura/Número de faixas de tráfego | Aultman-Hall et al. (1997); Sener et al. (2009). |
CARACTERÍSTICAS DO TRÁFEGO | |
Sinalizações de parada | Aultman-Hall et al. (1997); Fajans e Curry (2001); Stinson e Bhat (2003, 2004); El-Geneidy, Krizek e Iacono (2007); Krizek et al. (2007); Bernhoft e Carstensen (2008); Sener et al. (2009); Menghini et al. (2010); Broach et al. (2009, 2011); Broach et al. (2012); Casello et al. (2011); Caulfield et al. (2012);Snizek et al. (2013); Krenn et al. (2014). |
Limite de velocidade | Aultman-Hall et al. (1997); El-Geneidy et al. (2007); Sener et al. (2009); Caulfield et al. (2012); Milakis et al. (2012); Krenn et al. (2014); Segadilha e Sanches (2014a, 2014b). |
Volume de veículos motorizados | Aultman-Hall et al. (1997); Abraham et al. (2002); Stinson e Bhat (2003, 2004); El-Geneidy et al. (2007); Broach et al. (2009, 2011); Sener et al. (2009); Casello et al. (2011); Winters et al. (2010); Hood et al. (2011); Broach et al. (2012); Caulfield et al. (2012); Li et al. (2012); Milakis et al. (2012); Kang e Fricker (2013); Segadilha e Sanches (2014a, 2014b, 2014c, 2014d); Pitilin e Sanches (2016). |
Composição do tráfego | Sener et al. (2009); Winters et al. (2010); Snizek et al. (2013); Segadilha e Sanches (2014a, 2014b). |
CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS | |
Iluminação | Sener et al. (2009); Segadilha e Sanches (2014b). |
Arborização | Winters et al. (2010); Lee, Jennings e El-Geneidy (2011); Snizek et al. (2013); Krenn et al. (2014). |
Ocupação do entorno | Stinson e Bhat (2003); Dill (2009); Casello et al. (2011); Lee, Jennings e El-Geneidy (2011); Koh e Wong (2013); Krenn et al. (2014). |
Seguridade (sensação de segurança pessoal) | Stinson e Bhat (2003); Sener et al. (2009); Casello et al. (2011); Larsen e El-Geneidy (2011); Li et al. (2012); Kang e Fricker (2013); Koh e Wong (2013); Segadilha e Sanches (2014b); Pitilin e Sanches (2016). |
CARACTERÍSTICAS DA VIAGEM | |
Tempo de viagem | Stinson e Bhat (2003, 2004); Krizek (2006); Tilahun et al. (2007); Sener et al. (2009); Broach et al. (2011); Casello et al. (2011); Hood et al. (2011); Caulfield et al. (2012); Yang e Mesbah (2013); Hrncir et al. (2014). |
Comprimento/Distância | Aultman-Hall et al. (1997); Abraham et al. (2002); Krizek et al. (2007); Dill (2009); Broach et al. (2009, 2011); Hood et al. (2011); Broach et al. (2012); Casello et al. (2012); Menghini et al. (2010); Winters et al. (2010); Casello et al. (2011); Koh e Wong (2013); Yang e Mesbah (2013); Beheshtitabar, Ríos, König-Hollerwöger, Svatý e Rydergren (2014); Krenn et al. (2014); Segadilha e Sanches (2014c, 2014d). |
CARACTERÍSTICAS DO CICLISTA | |
Gênero | Antonakos (1994); Aultman-Hall et al. (1997); Krizek, Johnson e Tilahun (2004); El-Geneidy et al. (2007); Tilahun et al. (2007); Dill e Gliebe (2008); Broach et al. (2009); Sener et al. (2009); Bernhoft e Carstensen (2008); Winters e Teschke (2010); Hood et al. (2011); Kang e Fricker (2013); Segadilha e Sanches (2014c, 2014d). |
Frequência de uso/Experiência | Antonakos (1994); Stinson e Bhat (2004); El-Geneidy et al. (2007); Hunt e Abraham (2007); Sener et al. (2009); Winters et al. (2010); Winters e Teschke (2010); Hood et al. (2011); Caulfield et al. (2012); Larsen e El-Geneidy (2011);Kang e Fricker (2013). |
Idade | Stinson e Bhat (2003); Bernhoft e Carstensen (2008); Sener et al. (2009). |
FONTE ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Nos estudos supracitados, nota-se uma preferência, entre os ciclistas, por rotas com infraestrutura cicloviária contínua, ausência de estacionamentos para automóveis nas vias, baixos volumes de tráfego, limites reduzidos de velocidade, além de trajetos curtos e rápidos. Ademais, foram constatadas diferenças de comportamento entre ciclistas experientes e inexperientes, regulares e ocasionais, e entre homens e mulheres, além da distinção entre o comportamento de ciclistas idosos que são mais cautelosos, e ciclistas jovens, que priorizam a rapidez no deslocamento.
Apesar de existirem divergências quanto à declividade e à sinalização de parada obrigatória nos estudos encontrados, sobressaem-se indicativos sobre a preferência por percursos planos, ou com aclives moderados, e predileção pela menor quantidade de sinalizações de parada obrigatória (semáforos, cruzamentos, sinais de pare, etc.).
Trata-se de contingente expressivo de estudos que apresentam pontos em comum, sendo necessário a complementação com pesquisas no contexto sul americano, de modo a detectar novos fatores além dos elencados na Tabela 1.
Logo, o intuito desta pesquisa é, juntamente ao delineamento do perfil sociodemográfico de ciclistas de uma cidade brasileira de porte médio, identificar os principais fatores que influenciam na escolha da rota por estes usuários, de modo a estabelecer um paralelo com a literatura científica sobre o assunto. Além de efetuar um comparativo da amostra com o universo da pesquisa o/d, realizada em 2011 pelo Instituto de Pesquisa, Administração e Planejamento (ipplan) na cidade utilizada como estudo de caso, São José dos Campos-sp.
Obtenção dos dados – opinião dos ciclistas
Visando caracterizar o perfil dos usuários e obter suas opiniões sobre os fatores influentes na escolha de rota, foi aplicado um questionário entre ciclistas que realizam viagens utilitárias (por motivo de trabalho e/ou estudo) na cidade de São José dos Campos-sp. Os participantes foram encontrados em Polos Geradores de Viagens (pgvs) - locais com potencial de atrair grande quantidade de usuários da bicicleta, como escolas, universidades, indústrias, e terminais de transporte coletivo (Land Transport Safety Authority [48; Godefrooij, Pardo & Sagaris, 2009; 41).
Pessoas que já utilizam a bicicleta como modo de transporte, por conhecerem os problemas e peculiaridades das rotas que utilizam, são capazes de apontar os fatores que mais influenciam na escolha de seus trajetos (48; Godefrooij, Pardo & Sagaris, 2009). Assim, a seleção da amostra ocorreu pelo método de amostragem não probabilística “bola de neve” (snowball), em que um ciclista, encontrado em um pgv, indica um ou mais ciclistas para participar da pesquisa e compor a amostra. Este tipo de amostragem pode ser utilizado em populações raras, com reduzido número de integrantes (Appolinário, 2012), como é o caso dos usuários da bicicleta na maioria das cidades brasileiras.
Instrumento de pesquisa
Por ser uma técnica padronizada de levantamento de dados, o questionário facilita a codificação, tabulação e tratamento dos dados obtidos, além de permitir a realização de análises estatísticas. A utilização de categorias diferenciadas, como questões fechadas, possibilita inserir escalas de resposta - série graduada de itens que medem o grau/intensidade das opiniões e atitudes, e não a qualidade destas. Dentre as escalas de resposta existentes, a de diferencial semântico solicita que a pessoa marque uma posição entre dois adjetivos antagônicos em uma escala bipolar, normalmente de sete ou cinco pontos (Gil, 2008).
Possuindo questões sobre o perfil sociodemográfico do usuário (motivo da viagem, gênero, idade, frequência e tempo de uso da bicicleta como modo de transporte), e uma questão com escala de resposta de diferencial semântico de 5 pontos, sobre a importância de diversos fatores para a escolha da rota, o questionário elaborado foi testado previamente por meio de uma pesquisa-piloto, realizada no 3° trimestre de 2015 com 30 ciclistas, de modo a identificar possíveis dificuldades de compreensão nas perguntas formuladas, e verificar se o questionário não estava sendo exaustivo ao respondente (muito longo).
Dentre as modificações feitas após a aplicação preliminar do questionário, destacase a transferência das questões sobre o perfil sociodemográfico para o começo, de modo a iniciar os questionamentos com perguntas facilmente assimiláveis pelos participantes e, gradualmente, direcionar para questões de maior complexidade, além da inclusão de dois fatores por sugestão de alguns respondentes: poluição do ar e desnível nos bordos das vias (meio-fio).
Na tabela 2 são elencados os 19 fatores avaliados pelos integrantes da amostra. Para cada um dos fatores elencados havia 5 opções (escalas) de resposta no questionário, correspondente às opiniões sobre cada fator: (1) Totalmente sem importância, (2) Pouco importante, (3) Sem opinião, (4) Importante e (5) Muito importante.
TABELA 2 Fatores que podem influenciar na escolha da rota pelos ciclistas
FATOR | DEFINIÇÃO |
---|---|
1. Existência de ciclovias ou ciclofaixas | Infraestrutura cicloviária |
2. Pavimento em bom estado de conservação | Qualidade do pavimento |
3. Ruas sem aclives (subidas) | Inclinações na via |
4. Presença de estacionamentos de automóveis no lado direito da rua | Estacionamento lateral |
5. Necessidade de atravessar pontes, túneis, viadutos, rodovias e ferrovias | Barreiras urbanas |
6. Ruas com apenas uma faixa de tráfego | Largura da via |
7. Muitos cruzamentos com semáforos e/ou sinais de pare (a cada 100 m) | Sinalizações de parada frequentes |
8. Ruas com velocidade permitida de até 40 km/h | Velocidade de tráfego na via |
9. Poucos veículos | Volume de veículos na via |
10. Tráfego de ônibus e caminhões | Via com veículos pesados |
11. Iluminação (à noite) | Iluminação pública noturna |
12. Arborização (sombra) | Presença de vegetação de grande porte (árvores) |
13. Caminho mais rápido | Tempo de viagem |
14. Caminho mais curto | Distância de viagem |
15. Segurança (criminalidade) | Sensação de segurança/seguridade pessoal |
16. Mão única de direção | Vias com apenas um sentido de tráfego |
17. Desnível nos bordos (cantos) das ruas (meio-fio) | Desnivelamento dos canais de drenagem |
18. Presença de pontos de parada de ônibus | Locais de embarque e desembarque de passageiros |
19. Poluição do ar | Emissões atmosféricas de veículos motorizados |
FONTE ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Aplicação do questionário
A aplicação dos questionários ocorreu de julho a dezembro de 2016, com ciclistas em viagens utilitárias encontrados em 13 pgv's - estabelecimentos comerciais, como supermercados, lojas esportivas, locais de venda de material de construção, e demais comércios, além de prestadores de serviços, como restaurantes, e instituições de ensino - das regiões Oeste, Centro e Sul da cidade de São José dos Campos, município brasileiro com uma taxa de urbanização de 97,6% (Prefeitura Municipal de São José do Campos [60), situado a cerca de 90 km da capital do estado, São Paulo (38).
Entre 2000 e 2010 houve um aumento de 78% na frota veicular da cidade. No mesmo período, a taxa de motorização passou de 2,91 hab./veículo para 1,91 hab./veículo, praticamente um veículo para cada dois habitantes (39). A síntese da caracterização da cidade é expressa a seguir, na tabela 3.
TABELA 3 Caracterização de São José dos Campos-sp
População (habitantes) | 695.992 |
Área (km2) | 1.099,41 |
Densidade demográfica (hab./km2) | 572,96 |
Extensão do sistema viário (km) | 2.900 |
Taxa de motorização (hab./veículos) | 1,91 |
Infraestrutura cicloviária (km) | 84,5 |
FONTE INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO (IPPLAN) (2014), PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO CAMPOS (PMSJC) (2015), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE) (2016)
Da extensão total do sistema viário, cerca de 2.150 km estão inseridos no perímetro urbano, e 2,9% correspondem a infraestruturas cicloviárias, majoritariamente compostas por ciclovias (65,1%), seguido por ciclofaixas (23,9%) e calçadas compartilhadas (11%). Além de reduzidas, as infraestruturas cicloviárias existente possuem diversas descontinuidades identificadas, não estando completamente interligadas umas às outras.
A divisão modal no município demonstra a limitada utilização da bicicleta como modo de transporte (2,58%), havendo uma predominância dos modos individuais motorizados (46,54%), seguido pelos modos coletivos (27,06%). Pedestres e outros correspondem a 23,38% e 0,44% da distribuição, respectivamente (Instituto de Pesquisa e Planejamento [39).
Conforme dados do Relatório Geral 2014, do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da Associação Nacional de Transportes Públicos (6), a quantidade de viagens por transporte individual motorizado (46,54%) está acima do esperado para municípios de mesmo porte - 34,2% para municípios de 500 a 1.000 mil habitantes.
Em fevereiro de 2016 o projeto do Plano de Mobilidade Urbana – Plannob da cidade, formulado a partir de 2014, foi aprovado pelo Legislativo. Com isso, o município passou a contar com uma Política Municipal de Mobilidade Urbana, baseada na Lei Federal n° 12.587/12 (Brasil, 2012).
Análise dos dados
Após codificação e tabulação dos dados brutos em planilhas do Excel, foram realizadas análises descritivas (distribuição de frequências, medidas de tendência central e de dispersão) e inferenciais (testes não paramétricos) das respostas.
A interpretação dos dados por meio de técnicas de estatística descritiva resultou em tabelas expositivas sobre: (a) distribuição de homens e mulheres na amostra; (b) idade dos participantes, agrupada por faixas etárias; (c) frequência de uso da bicicleta como meio de deslocamento; e (d) tempo médio de uso da bicicleta como modo de transporte.
Essas informações foram comparadas com os dados da pesquisa o/d, realizada em 2011 no município. Adicionalmente, para facilitar a identificação dos aspectos mais relevantes ou expressivos, foram elencadas as proporções percentuais de resposta em cada uma das categorias referentes aos fatores que influenciam na escolha das rotas.
Mediante técnicas de estatística inferencial (teste de Kruskal-Wallis), buscou-se identificar possíveis diferenças na avaliação da influência dos diversos fatores entre os agrupamentos de respondentes, com a verificação da existência de eventuais diferenças estatisticamente significativas de opinião em função das características dos perfis (faixa etária, frequência e tempo de uso da bicicleta como meio de transporte).
No teste de Kruskal-Wallis, equivalente não paramétrico da anova, não são feitas suposições sobre a distribuição da população, não se assumindo, portanto, que a distribuição possa ser completamente descrita pelos parâmetros média e desvio padrão (como ocorre em uma distribuição normal). As hipóteses em teste no Kruskal-Wallis são de que os grupos têm a mesma distribuição de valores (hipótese nula), ou não têm a mesma distribuição de valores (hipótese alternativa).
Para utilização do mencionado teste, os dados são ordenados conjuntamente (em ranking), com atribuição de posições ascendentes. Existindo empates, a média das colocações empatadas é feita e, na sequência, somam-se as posições de cada grupo, realizando o cálculo de uma fórmula que representa, basicamente, a variância das posições entre os grupos, com um ajuste para o número de empates (McDonald, 2017).
Nesta pesquisa, o mencionado teste estatístico foi realizado no editor de planilhas Excel, por meio da instalação de um suplemento disponível no software gratuito Real Statistics Using Excel (Zaiontz, 2017).
Resultados
Os resultados descritos neste estudo fazem parte de uma pesquisa mais ampla, sobre opiniões e comportamentos de viagem de ciclistas, que também inclui, além do questionário tratado, o registro e avaliação de rotas percorridas por ciclistas em viagens utilitárias. Portanto, além de responderem ao questionário, os integrantes deste estudo se dispuseram a gravar voluntariamente, durante uma semana, seus percursos em aparelhos gps. Com isso, obteve-se uma amostra de apenas 32 ciclistas, visto a dificuldade em encontrar participantes dispostos a gravarem seus trajetos, devido à desconfianças iniciais quanto à gravação dos percursos, além da burocrática obtenção de autorizações para aplicação da pesquisa com menores de idade em instituições de ensino.
Na tabela 4 constam as características gerais dos 32 ciclistas que participaram da pesquisa.
TABELA 4 Características dos ciclistas
GÊNERO | FAIXA ETÁRIA | FREQUÊNCIA DE USO | |||
---|---|---|---|---|---|
Masculino | 31 (97%) | < 18 anos | 7 (22%) | 1 dia por semana | 0 (0%) |
Feminino | 1 (3%) | 18 a 25 anos | 8 (25%) | 2 a 3 dias por semana | 3 (9%) |
26 a 35 anos | 13 (41%) | 4 ou mais dias por semana | 29 (91%) | ||
36 a 45 anos | 2 (6%) | ||||
> 45 anos | 2 (6%) |
TEMPO DE USO | MOTIVO | ||
---|---|---|---|
< 3 meses | 3 (9%) | Trabalho | 19 (59%) |
3 a 6 meses | 2 (6%) | Estudo | 13 (41%) |
6 meses a 2 anos | 12 (38%) | ||
2 a 5 anos | 5 (16%) | ||
> 5 anos | 10 (31%) |
FONTE ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Há uma porcentagem maior de viagens por motivo ‘trabalho’, além da predominância de jovens adultos (com até 35 anos) do gênero masculino na amostra, que utilizam a bicicleta mais de 3 dias por semana, em sua maioria, com a prevalência de uso sendo superior a 6 meses.
Comparando as características dos respondentes do questionário com o perfil dos ciclistas identificados na pesquisa o/d verifica-se:
Predomínio de ciclistas homens, tanto na pesquisa o/d (76%) quanto na amostra deste estudo (97%);
Embora a estratificação das faixas etárias seja diferente entre as duas pesquisas, a maioria dos ciclistas é jovem, com até 35 anos - 88% nesta pesquisa e 61% na pesquisa o/d;
Foco desta pesquisa, as viagens utilitárias foram, em sua maioria, por motivo de trabalho (59%). Na amostra da pesquisa o/d, aproximadamente 40% das viagens por bicicleta tiveram como motivo trabalho ou estudo, e cerca de 50% tiveram a residência como motivo. De tal forma que cerca de 90% das viagens na pesquisa o/d foram utilitárias (o motivo ‘residência’ correspondeu à volta para casa após o expediente).
Depreende-se um proeminente viés utilitário das viagens realizadas por ciclistas na cidade de São José dos Campos-sp. Fato apontado em ambas as pesquisas, assim como um perfil de usuários com características similares, embora a aplicação dos questionários tenha ocorrido em pgvs, com amostra do tipo ‘bola de neve’, e a pesquisa o/d no âmbito domiciliar.
Importância dos fatores para a escolha da rota
A quantidade e a porcentagem de respostas sobre a importância atribuída pelos ciclistas a cada um dos fatores são mostradas na tabela 5, com agrupamento dos níveis de importância da seguinte forma: ‘Importante’ (incluindo os níveis ‘importante’ e ‘muito importante’), ‘Indiferente’ (nível ‘sem opinião’) e ‘Sem importância’ (incluindo os níveis: ‘totalmente sem importância’ e ‘pouco importante’).
TABELA 5 Importância dos fatores para escolha da rota
FATORES | SEM IMPORTÂNCIA | INDIFERENTE | IMPORTANTE |
---|---|---|---|
Estacionamento | 14 (43,8%) | 9 (28,1%) | 9 (28,1%) |
Parada de ônibus | 13 (40,6%) | 9 (28,1%) | 10 (31,3%) |
Velocidade < 40 km/h | 13 (40,6%) | 4 (12,5%) | 15 (46,9%) |
Ruas sem aclives (subidas) | 13 (40,6%) | 2 (6,3%) | 17 (53,1%) |
Mão única de direção | 13 (40,6%) | 2 (6,3%) | 17 (53,1%) |
Cruzamentos | 12 (37,5%) | 2 (6,3%) | 18 (56,3%) |
Pontes, túneis, etc. | 10 (31,3%) | 7 (21,9%) | 15 (46,9%) |
Ônibus e caminhões | 11 (34,4%) | 4 (12,5%) | 17 (53,1%) |
Apenas uma faixa | 7 (21,9%) | 5 (15,6%) | 20 (62,5%) |
Desnível no meio fio | 6 (18,8%) | 5 (15,6%) | 21 (65,6%) |
Poluição | 6 (18,8%) | 9 (28,1%) | 17 (53,1%) |
Ciclovias / ciclofaixas | 8 (25%) | 2 (6,3%) | 22 (68,8%) |
Poucos veículos | 9 (28,1%) | 0 (0%) | 23 (71,9%) |
Arborização | 8 (25%) | 0 (0%) | 24 (75%) |
Pavimento em bom estado | 4 (12,5%) | 1 (3,1%) | 27 (84,4%) |
Caminho mais curto | 5 (15,6%) | 0 (0%) | 27 (84,4%) |
Segurança pessoal | 3 (9,4%) | 4 (12,5%) | 25 (78,1%) |
Iluminação | 3 (9,4%) | 3 (9,4%) | 26 (81,3%) |
Caminho mais rápido | 4 (12,5%) | 0 (0%) | 28 (87,5%) |
FONTE ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Para facilitar a visualização e interpretação dos resultados, na figura 1 os dados indicados na tabela 5 são apresentados graficamente.
Pela interpretação da figura 1 verifica-se que, dentre os fatores de maior importância, estão características da viagem (caminho mais rápido e mais curto), características do ambiente (iluminação e segurança pessoal) e características físicas da via (conservação do pavimento).
Nesta pesquisa, o caminho mais rápido foi o fator considerado de maior relevância para a escolha da rota, refletindo resultados de diversos outros estudos com ciclistas em viagens utilitárias, em que o menor tempo de viagem frequentemente aparece como de grande importância (Stinson & Bhat, 2003; Sener, Eluru & Bhat, 2009; Yang & Mesbah, 2013; Hrncir et al., 2014).
Como os ciclistas em viagens utilitárias têm horários a cumprir, assume-se que o tempo de viagem é de grande relevância para eles. Sendo assim, se for dada a chance de escolha entre duas rotas com tempos de percurso diferentes, os ciclistas em viagens utilitárias optarão pela rota mais rápida, a menos que a rota mais longa ofereça atrativos melhores como, por exemplo, maior sombreamento, menor quantidade de subidas, menores volumes e velocidades de tráfego, etc. Vasta bibliografia registra o tempo adicional que os ciclistas estariam dispostos a despender para percorrer determinadas instalações cicloviárias ou rotas com características diversas (Abraham, McMillan, Rownlee & Hunt, 2002; Broach, Gliebe Dill, 2009, 2012; Caulfield, Brick & NcCarthy, 2012; Krenn, Oja & Titze, 2014; Krizek, 2006; Krizek, El-Geneidy & Thompson, 2007; Larsen & El-Geneidy, 2011; Stinson & Bhat, 2003, 2004; Tilahun, Levinson & Krizek, 2007; Winters, Teschke, Grant, Setton & Brauer, 2010).
É pertinente destacar que, embora sejam tratados de modo similar, a distância e o tempo de viagem não são diretamente proporcionais, dado que o tempo de viagem não é constante – os ciclistas não viajam a uma velocidade fixa durante todo o trajeto (Beheshtitabar et al., 2014), devido à necessidade de maior esforço físico (Zhao, 2014) em decorrência de alterações na declividade de determinados trechos do percurso, além da influência de características da rota, como tempo de espera em interseções sinalizadas (Ehrgott, Wang, Raith & Van Houtte, 2012), e de características do usuário, como a experiência (El-Geneidy, Krizek & Iacono, 2007).
Por isso houve a separação dos fatores tempo e distância no questionário (representados nesta pesquisa pelos fatores “caminho mais rápido” e “caminho mais curto”, respectivamente), e certo distanciamento dos mesmos nos resultados mostrados na figura 1.
Deduz-se que os ciclistas da amostra preferem trajetos curtos, conforme também apontado pelos estudos de Abraham et al. (2002), Broach et al. (2011), Dill (2009) e Hood, Sall y Charlton. (2011), mas priorizam os caminhos mais rápidos, o que pode acarretar na ocasional escolha de percursos mais longos e atrativos. Nesse sentido, Winters et al. (2010), por exemplo, constataram a ocorrência de viagens cicloviárias por caminhos mais longos, com significativamente maior quantidade de cobertura vegetal (arborização) dos que os menores caminhos possíveis.
Considerada importante por 75% dos respondentes do questionário, a arborização está intrinsecamente relacionada à qualidade do ar (Nicodemo & Primavesi, 2009), fator representado nesta pesquisa como “poluição do ar”, e considerado importante por 53% dos ciclistas da amostra. Dentre os estudos encontrados referentes à poluição, destaca-se uma pesquisa realizada por Hatzopoulou et al. (2013) em Montreal-Canadá, com uso de uma ferramenta para medição da exposição a determinados poluentes de tráfego. No mencionado estudo, 57% das rotas percorridas pelos ciclistas possuíam um trajeto alternativo com menores índices de exposição aos poluentes, mas apenas em 43% das viagens os menores caminhos eram, também, os com menores índices de exposição aos poluentes.
Não foram encontrados estudos que se referissem, especificamente, à influência da poluição do ar na escolha da rota pelos ciclistas, apenas pesquisas sobre a atuação deste atributo na opção pelo modo de transporte cicloviário. Além de um estudo sobre os benefícios da atividade física desenvolvida durante o transporte ativo (caminhar e pedalar para se deslocar), que superam os malefícios da exposição a níveis elevados de poluentes do ar em grande parte das cidades no mundo, mesmo com muitas horas de exposição (Alisson, 2016; Cepeda et al., 2016).
O segundo e o terceiro fatores elencados na figura 1 estão relacionados pois, além da percepção de segurança (risco de assaltos e agressões) associar-se à presença de iluminação no período noturno (Sener et al., 2009), a iluminação pública também funciona como “medida preventiva importante à diminuição da criminalidade”, sendo “responsável pela diminuição significativa de assaltos e latrocínios” (Brasil, 2007, p. 154). A segurança também apareceu próxima do quesito iluminação na média geral de importância dos fatores na pesquisa de Segadilha e Sanches (2014b).
Em um estudo sobre atributos para o projeto de redes cicloviárias, estes dois fatores foram considerados importantes por ciclistas e especialistas (Pitilin, 2016). A influência e relevância da segurança pessoal na escolha da rota aponta para a “percepção de insegurança que existe atualmente nas cidades brasileiras”, segundo Pitilin e Sanches (2016, p. 11).
Sobre o quinto fator (conservação do pavimento), foram corroborados resultados de estudos anteriores, em que ciclistas evitaram circular por vias sem pavimentação ou com pavimento degradado (Segadilha & Sanches, 2014b, 2014a; Winters & Teschke, 2010), e preferiram superfícies lisas (Antonakos, 1994; Bernhoft & Cars-tensen, 2008; Stinson & Bhat, 2003, 2004). Algo igualmente embasado pela pesquisa de Pitilin (2016), em que a conservação do pavimento foi considerada muito importante para o projeto de uma rede cicloviária por ciclistas e especialistas na área.
Adicionalmente, Aultman-Hall, Hall e Baetz (1997) notaram que os ciclistas em viagens utilitárias frequentemente percorrem caminhos bem qualificados (amplos, com superfície de boa qualidade, largos e acessíveis). E Kang e Fricker (2013) constataram que a aversão a superfícies de menor qualidade supera o risco de conflitos com o fluxo de pedestres, podendo levar ciclistas a percorrer passeios públicos (calçadas) para evitar o compartilhamento com veículos em vias com pavimentação de baixa qualidade.
Salientam-se dois outros fatores comumente considerados como de grande relevância na escolha da rota em diversos outros estudos: velocidade permitida na via e declividade (representados por “velocidade <40km/h” e “ruas sem aclives - subidas” nesta pesquisa). Aproximadamente 40% dos respondentes consideraram sem importância os fatores velocidade do tráfego e declividade. Ainda assim, 47% e 53% dos participantes consideraram a velocidade e a declividade importantes, respectivamente.
Na literatura consultada há um indicativo de preferência pela circulação em vias com limites de velocidade reduzidos (Sener et al., 2009), evitando vias principais onde os veículos trafegam em alta velocidade (Krenn et al., 2014). Caulfield et al. (2012), por exemplo, em uma pesquisa aplicada em Dublin (Irlanda), demonstraram a preferência dos ciclistas por vias com velocidades reduzidas (30 ao invés de 50 ou 80 km/h).
A declividade também aparece, frequentemente, dentre os fatores mais comumente associados à escolha da rota, e é vista como um componente desfavorável quando os ciclistas qualificam uma rota preferencial, sendo constatada uma tendência de evitar percursos íngremes (Hood et al., 2011; Menghini, Carrasco, Schüssler & Axhausen., 2010), mesmo que para isso tenham que percorrer um caminho mais longo (Krenn et al., 2014). Complementarmente, Li, Wang, Liu e Raglan (2012) identificaram uma associação negativa do fator “inclinação” com a sensação de conforto ao pedalar, resultado atribuído ao maior esforço físico (energia necessária para superar as subidas).
Assim como o fator poluição do ar, o desnível nos bordos das vias (meio-fio) foi adicionado ao questionário por sugestão de respondentes da pesquisa-piloto, sendo digno de nota pois, apesar de não terem sido encontrados estudos que relacionassem este fator à escolha de rota, aproximadamente 66% dos respondentes o consideraram importante. É possível relacioná-lo com a qualidade do pavimento, visto o constatado desnivelamento dos canais de drenagem nas cidades brasileiras (atribuído às práticas de recapeamento asfáltico vigentes). De modo que é comum que “os bordos das vias, na maioria das cidades brasileiras, apresentem sarjetas mal construídas ou em estado de deterioração, com fissuras alastrando-se para além do bordo do pavimento” (Brasil, 2007, p. 125).
No que diz respeito à infraestrutura cicloviária, sua presença é de grande relevância para a escolha da rota entre ciclistas em viagens utilitárias (Raford, Chiaradia & Gil, 2007), sendo apontada como possível contribuição significativa para experiências positivas ao pedalar (Snizek, Nielsen & Skov-Petersen, 2013). A existência de infraestrutura cicloviária pode até ser capaz de diminuir o custo (visto como oneroso) de percorrer vias arteriais, conforme estudo desenvolvido por Abraham et al. (2002), em Calgary (Canadá). No presente estudo, 69% dos ciclistas consideraram a presença de ciclovias/ciclofaixas como relevante na escolha de rota, algo também verificado por Broach et al. (2009). Ademais, a existência destas estruturas foi apontada como muito importante por ciclistas e especialista que participaram da pesquisa de Pitilin (2016).
Notabiliza-se a pouca importância atribuída aos fatores referentes aos pontos de parada de ônibus e estacionamentos de automóveis. Ainda que indiretamente, a presença de pontos de parada de ônibus relaciona-se à conservação do pavimento, pois a incorporação de baias com pavimento rígido (mais resistente) é exceção no país. Logo, a opção pelo pavimento asfáltico ocasiona frequentes deformações nos locais de parada de ônibus para embarque e desembarque de passageiros. No que concerne aos estacionamentos, existem duas tipologias usuais (paralelo ou em ângulo). Em ambos os tipos o risco de conflitos com ciclistas é razoável, pela obstrução da visibilidade na saída da vaga, ou durante a abertura de portas dos veículos.
Comparação da importância atribuída aos fatores por diferentes estratos da amostra
Não obstante houvesse, a princípio, a intenção de se fazer uma análise sobre a existência de eventuais diferenças estatisticamente significativas de opinião em relação ao gênero, a ínfima quantidade de ciclistas mulheres na amostra impossibilitou tal procedimento. Essa reduzida incidência feminina no transporte cicloviário foi auferida por diversos autores, que constataram o predomínio de ciclistas masculinos nas pesquisas que desenvolveram (Garrard, 2003; Krizek, Johnson & Tilahun, 2004; Prati, 2017). Este fato é indicativo da baixa representatividade do ponto de vista feminino na concepção de políticas públicas ‘cicloinclusivas’, com omissão do indispensável papel das mulheres como indicadores de qualidade urbana, ao usarem a bicicleta como meio de transporte cotidiano somente em condições consideradas ideais - algo reforçado pela equidade de gênero na distribuição de viagens cicloviárias em países europeus com elevadas taxas de uso da bicicleta e amplas redes cicloviárias (Garrard, Rose & Lo, 2008).
a) Com relação à faixa etária
A idade pode interferir na escolha da rota, ainda que de modo indireto, em função das habilidades físicas que se transformam com o envelhecimento, bem como em virtude do tempo de reação/agilidade dos usuários, que se altera ao longo dos anos (Bernhoft & Carstensen, 2008).
Diferenças de opinião entre as faixas etárias foram avaliadas por intermédio do teste de Kruskal Wallis. Quando os valores de p (probabilidade) obtidos por este teste são inferiores a 0,05, constata-se a existência de diferenças estatisticamente significativas de opinião. Para apenas 4 (conservação do pavimento, iluminação, comprimento da viagem, e segurança), dos 19 fatores analisados, essa diferença foi constatada (p < 0,05).
Não se pode afirmar quais seriam as diferenças de opinião entre os grupos etários, apenas indicar a existência das mesmas, impossibilitando a confirmação dos apontamentos de Bernhoft e Carstensen (2008), por exemplo, que conjecturaram que a preferência dos ciclistas mais jovens por superfícies lisas deveu-se ao maior apreço pelo ganho de velocidade, visto que uma superfície irregular é um impedimento para adquirir maiores velocidades (preferenciais entre jovens).
b) Com relação ao tempo de uso da bicicleta
A experiência pode influenciar diretamente na preferência por rotas. Para Stinson e Bhat (2004), por exemplo, a regularidade do pavimento possui um menor efeito sobre a escolha da rota entre indivíduos inexperientes, enquanto que ciclistas experientes possuem maior sensibilidade ao tempo de viagem.
Por meio do teste de Kruskal Wallis verificou-se que 5 fatores (conservação do pavimento, iluminação, arborização, duração da viagem, e segurança), dos 19 analisados, apresentaram diferenças estatisticamente significativa de opinião em função do tempo de uso da bicicleta (p < 0,05).
Pitilin (2016) também constatou diferenças de opiniões entre ciclistas com diferentes níveis de experiência (tempo de uso da bicicleta) em relação aos fatores arborização e segurança. Cabe ressalva que a mencionada autora utilizou um teste paramétrico (análise de variância – anova) para testar hipóteses sobre a igualdade da média de duas ou mais populações.
Reitera-se que, embora seja possível apontar a existência de diferenças estatisticamente significativas em relação à conservação do pavimento nesta pesquisa, os resultados da análise não permitem corroborar os apontamentos de Stinson e Bhat (2004), por exemplo. Sendo inviável, portanto, afirmar quais seriam estas diferenças de opinião entre os grupos, apenas indicar a existência das mesmas entre ciclistas experientes e inexperientes.
Por fim, salienta-se que em ambas as classificações de perfis (faixa etária e tempo de uso da bicicleta), o fator “poucos veículos”, referente ao volume do tráfego, obteve um p (probabilidade) de 0,06, bem próximo, mas, ainda assim, superior ao limiar para afirmação de existência de diferenças entre os grupos (p < 0,05). Tal fator é negativamente associado à percepção de conforto dos ciclistas, em função do risco de colisões e acidentes, além dos congestionamentos ocasionados em função do fluxo intenso de veículos (Li et al., 2012).
Conclusão
O reconhecimento dos fatores que influenciam na escolha das rotas, com base na opinião dos usuários da bicicleta, possibilita determinar os aspectos prioritários a serem considerados no planejamento de uma rede cicloviária. Neste estudo, evidenciaram-se justamente os principais fatores que influenciam na escolha de rota de ciclistas em viagens utilitárias. As informações apresentadas compreendem a opinião de uma pequena amostra de ciclistas voluntários, que realizam viagens utilitárias regularmente em uma cidade brasileira de porte médio.
Por intermédio da análise das respostas dos questionários, tornou-se claro que a prioridade dos usuários da amostra é chegar o mais rapidamente possível a seus destinos, por caminhos iluminados e seguros, além de pedalar o minimamente necessário, de preferência por vias com pavimento em bom estado de conservação.
Os resultados desta pesquisa são diametralmente opostos da noção usual de que apenas a construção de ciclovias fragmentadas resolve todos os problemas de deslocamento enfrentados pelos ciclistas. Eles direcionam para a disseminação de redes cicloviárias integradas, com rotas coesas e diretas que minimizem os tempos de viagem, o comprimento dos percursos, e os desvios de conexão entre origens e destinos, promovendo ligação direta entre pontos de interesse. Além de contarem com especificações mínimas para integridade e conforto do usuário (iluminação, segurança pública/viária, conservação adequada do pavimento e arborização). Entretanto, a dificuldade em encontrar tais características nas cidades brasileiras, que as restringem, no máximo, às infraestruturas cicloviárias destinadas ao lazer, ilustram o patamar de prioridade em que se encontra o transporte cicloviário no país.
As observações deste estudo não refletem, necessariamente, as preferências de ciclistas potencias ou ocasionais, que possivelmente diferem das opiniões dos ciclistas regulares. Futuras análises mais detalhadas sobre as opiniões de ciclistas com diferentes tempos de uso da bicicleta - utilizado como variável proxy para o nível de experiência como ciclista, podem contribuir para o planejamento de redes cicloviárias mais atrativas para pessoas que ainda não fazem uso da bicicleta como meio de transporte, visto a maior proximidade entre opiniões de ciclistas inexperientes e usuários potenciais.
Quanto a novos estudos sobre os fatores que influenciam na escolha da rota dos ciclistas, baseados na opinião destes usuários, é cabível mencionar a relevância da inclusão de itens tradicionalmente não abordados, mas apontados como importantes pelos próprios ciclistas, bem como a possibilidade de inclusão de outras condicionantes do ambiente, como poluição sonora e sensação térmica. Além do aprofundamento na análise da influência de atributos já abordados, de modo que seria válido realizar, por exemplo, medições in loco dos níveis de poluentes das rotas escolhidas.
Dentre as limitações do estudo, aponta-se para o reduzido número de mulheres na amostra de ciclistas, impossibilitando análises estatísticas inferenciais para verificação de eventuais diferenças significativas de opinião em função do gênero dos usuários. Esse fato evidencia a existência de lacunas neste e em outros estudos sobre viagens cicloviárias utilitárias, especificamente no que concerne à predominante influência masculina nas amostras obtidas, abrindo oportunidade para estudos futuros sobre a participação feminina no transporte cicloviário, bem como suas opiniões e experiências como ciclistas em viagens utilitárias.
Como defasagem desta pesquisa, salienta-se não ter aparecido o fator “sentido da via” na revisão bibliográfica, apesar de sua inclusão no questionário (mão única de direção). Além disso, dentre os aspectos que poderiam ser aprimorados, tem-se o quesito quantidade de veículos, ao qual não foi atribuído um valor objetivo, tornando abstrata e subjetiva a avaliação do fator “poucos veículos”, assim como o item referente à qualidade do pavimento, em que a formulação da questão (pavimento em bom estado de conservação) pode ter induzido o respondente, possivelmente direcionando as respostas e interferindo nos resultados.
Por fim, cabe frisar a inserção implícita do fator ‘segurança viária’ nos itens relacionados à quantidade de veículos (‘poucos veículos’), composição e velocidade do tráfego (‘tráfego de ônibus e caminhões’ e ‘ruas com velocidade permitida de até 40 km/h’, respectivamente), possibilitando aferir sua importância de modo indireto.